quarta-feira, junho 02, 2004

A pressa apressa o passo

O trajecto de casa até ao trabalho pode ser hilariante. Observem as expressões de desespero das pessoas quando esperam, por exemplo, numa fila enorme para comprar o simples e precioso passe dos transportes. Foi por isso que quiz partilhar este poema com vocês.

Abraço a todos

Edmond - 02/06/04




Se de manhã, ao erguer o mundo gira,
A um passo vagaroso de procissão,
De tarde, não há quem interfira,
Na pressa. Gera o pânico, confusão.

Devagar, a passos curtos, bem tento,
Do lugar que venho me dá sustento.
Se lento vou, depressa passo a andar
Um passo largo. Há alguém a empurrar.

Entrando nos subúrbios,
Da cidade barulhenta,
O comboio que se esquece de alguém
As paredes escritas,
Pelos punhos de poetas,
Manchadas, limpas por ninguém.

Olhos fixos no imenso espaço,
Em perdidos sonhos de adolescente,
Em pé, depressa se alarga o passo,
E desvanece-se esse sonho envolvente.
Num simples piscar de olhos,
Aparece gente aos molhos.
Que se apressam, às portas, e entrar,
Um lugar arranjam para se sentar.

Conheço aquele que ali vai,
Fingido, que solta um breve ai,
Uns conversam, outros lêem,
Outros ouvem, outros vêem,
Uns chocalham latas, pedindo,
Esmola a alguém esteja sorrindo,
Outros dormem, de cabeças encostados,
Em vidros sujos que nunca foram senão sujados.

Discussões, há sempre alguém que se aventura,
Ira descarregada em travessura,
Corações, há quem detenha um mau palpite,
Loucos, há sempre alguém que grite.
Crianças arrastadas por mãos agrestes,
Dos pais, com uma pálida paciência,
Perguntas destas: «Que fizeste?»
Soltam choros aos pequenos. Que imprudência.

No momento da paragem, é engraçado:
Ver a gente que se apressa em seu enfado,
A correr, cumprido seu triste fado,
Se for preciso, derrubando quem está ao lado
Há quem caía e quem a cair ajuda,
Em tropel se acotovela na pequena muda,
Em sentidos diferentes e direcções,
Ó ansiosos e miseráveis corações.

Mas nas filas é mesmo onde se vê,
A Divina Comédia que se lê,
Paciência, ninguém a tem e nem se arranja,
Em quiosques apertados,
Que se plantam em vários lados,
Em sulcos, se é que as ruas os abranja.
Nas filas onde se espera,
E tem mesmo que se esperar,
Rio-me cá dentro com nobre gente,
Tais apupos quer soltar:

“Desculpe, minha senhora,
Mas não está aí muito bem”.
Não quero saber, coração frio.
Moleste quem a si pariu.
“Está com pressa? Passe lá.
Não se chateie, venha cá.
Não, não. Passe lá você primeiro.
Pensando alto: “Que brejeiro”
Se está com pressa, com pressa passe,
Senão vai ter triste desenlace,
É que passei, senhor, primeiro,
Que você, seu caloteiro.
Há quem diga sempre: “Calma,
Tenham calma, meus senhores,
Que a calma acalma a alma,
E não gera dissabores”

Vou sair, misturar-me nesta roda,
Que gira, todo o dia velozmente,
Misturando pensamentos quem se acomoda,
Nesta vida. Já sou louco ou demente.

EFB – 13/05/04



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