Um artista é um solitário. Não numa solidão perpétua mas numa solidão em que escolhe recolher-se para o seu mundo, e expelir de si nas diversas formas artísticas, todo o espelho reluzente da sua alma.
Na minha magríssima opinião, pois não sou um artista de profissão porque a vida não me proporciona, apenas me vai proporcionando brincar artisticamente, a sua vida não é a que podemos chamar de vida normal. Mas o que é normal hoje em dia? Se querem saber, pouco me importa não ser uma dita pessoa normal porque, pura e simplesmente, recuso-me a viver como os outros vivem e desperdiçar o meu precioso tempo a enfadar-me com superficialidade. É que um chamado atelier não pode ser um local de divertimento perfumado com o fumo do tabaco, em que as pessoas dançam freneticamente e se rendem à loucura ao som da música que nos ferem os ouvidos pelo seu volume ser excessivamente elevado, onde as pessoas se afogam em bebidas que roubam a tão preciosa lucidez e que atravessam a ponte, passando alcoólicas e desorientadas para a margem do mundo irreal. Não. Decididamente, não. Sou sincero quando vos digo que tudo estes locais e fugidas à vida real, são necessárias como a satisfação de uma necessidade interior de nos divertirmos e libertar toxinas. Informaticamente falando, eu costumo dizer que somos “Recicle bins”, que acumulamos durante os nossos dias tanta lixeira desnecessária, e que germinamos dentro de nós a necessidade de nos divertirmos. Digo isto para não parecer presunçoso ao ponto de acharem que sou diferente, logo sou melhor. Quanto mais me misturar na multidão e passar por despercebido, mas confortável me sinto.
Falando dos nossos locais artísticos, e partindo do princípio que todos concebemos arte de diversas formas, são os sítios mais envolventes e acolhedores que nos transportam para outras realidades. Mas este percurso é mais pedregoso do que daquele em que caminhos para os loucos sítios que vos falei há pouco dos quais as beatas da igreja chamam de antros de pecado. E tudo começa por darmos um pequeno, mas ao mesmo tempo titânico passo: o querermos se artistas. Para mim ser artista está ao nosso alcance. Está mesmo sentado ao nosso lado. Dando um exemplo para ser compreendido, pois há artistas que se queixam de serem incompreendidos, imaginem sentados num sofá, e em cima de uma mesa está uma caneta e um bloco de folhas, mas mais ao lado há um telecomando sorrindo disfarçadamente para nós. O que escolhem? A caneta e o bloco de folhas onde se pode escrever uma singela e horrível frase como “hoje o dia foi bom” e daqui iniciarmos a nossa vida artística, ou rendermo-nos ao percurso mais fácil, ligando o televisor e admirarmos o que os outros fizeram? Há quem pense que escrever ou falar é fácil, e eu concordo, mas nós, seres humanos munidos de um orgulho que faz por vezes não evoluirmos, temos de descobrir por nós próprios e fazermos as nossas opções.
Tenho um amigo meu de longa data, que atrevo-me a meter as mãos no lume e dizer que é mais um irmão do que um simples amigo, que quer ser escritor mas acaba por não escrever, dedicando mais o seu precioso e valioso tempo ao ócio, pela simples razão de, mesmo antes de escrever, já parte do pressuposto que aquilo que vai conceber é excremento. Nada daquilo que criamos é excremento. Incomoda-me muito mais ouvir palavras caluniosas e injuriosas daqueles que nada fazem, logo, maldizem, do que admirar uma obra que é horrivelmente feia, torna-se bela porque saiu das mãos de alguém pelas diversas razões da sua alma. E é tudo uma questão de coragem saber ouvir as críticas de terceiras pessoas conhecidas ou não, e aceitar aquelas que nós achamos serem as chamadas críticas construtivas. Há quem confunde imensa a palavra “crítica” e interpreta-a como dizer mal. Até uma crítica chamada construtiva pode ser uma opinião desgostosa das nossas “obras”. Criticar é opinar sobre o nosso gosto ou desgosto em relação à obra que nos apresentam. Simplesmente dar a opinião, e não sobre a qualidade, que para mim, é tão próximo do cúmulo da relatividade como é absoluto eu estar a trabalhar e a escrever às escondidas. Mas isso é outra história...
Quereis ser artista sem precisar ser iluminado e ofuscado pelas luzes da ribalta? Está mesmo ao alcance de todos nós. E respeitemos os mais diversos tipos de artistas, porque “louco é aquele que não compreende a loucura dos outros”, e o que eles nos oferecem independentemente de gostarmos ou não, foi trabalho de quem abdicou da dita vida normal, e se dedicou às suas obras para maravilharem o mundo aos nossos olhos.
Mãos à obra!
29/04/04
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