Podem-me chamar fútil e vazio se for essa a vossa opinião depois do que acabarei de dizer, mas desejo partilhar convosco este meu apetite, no meio de muitos outros que possuo: adoro perfumes.
Os perfumes provocam-me sensações inéditas. Enquanto o tempo vai rolando no seu habitual ritmo alucinante, vou entranhando na memória, essências que guardarei para todo o sempre. Quem nunca lhe atravessou pelo olfacto, uma antiga fragrância que lhe ajudásse a retroceder no tempo e estagnando nessa doce nostalgia com olhar catatónico de quem só estáa funcionar com a mente? Como gosto de gravar na minha memória como espaço infinito que temos, por vezes até sem sentir fisicamente esse cheiro; sou capaz de senti-lo apenas com a mente. Basta invocá-lo. Os perfumes não são visíveis mas têm cor, calor ou frescura; provocam os mais diversos reflexos em quem os sente; são descritivos ao ponto do Patrick Sunskind ter escrito primorosamente um livro intitulado "O perfume"; podemos rotular os próprios sítios onde vamos com as essências características dos mesmos, tendo um único perfume como uma alma. É como numa multidão de milhares de pessoas que conversam, gritam e cantam, geram uma única voz. Essa voz nas essências chama-se perfume, a alma de todas as essências e odores.
Gosto de sentir os cheiros de quase tudo que emana e detém um cheiro característico. Há pouco tempo, fui preveligiadamente recebido numa herdade rústica que ficava situada no meio de montanhas, abençoadas com árvores de espessa folhagem, riachos, flores e inúmeros animais, onde os únicos ruídos que caracterizavam aquele lugar paradisíaco eram vozes naturais. Lembro-me como se fosse hoje, ter aberto aquele portão de ferro, rangendo ao movimento da sua abertura, que dava para uns jardins com aquele cheiro a relva cortada. Mas acabei por entrar numa divisão da herdade, que servia de sala de recepção e convívio, cheirando a madeira maciça, aquecida com o calor que envolvia aquela sala decorada ao bom gosto do dono da herdade, misturado com o bafio dos antigos livros, que desfilavam desordenadamente pelas prateleiras que se encostavam nas paredes, aquela limpeza de mãos briosas e dignas de não se renderem à imundíce... AQUELE CHEIRO! Aquele cheiro ficará para o resto da minha vida, pois era elouquente demais para ser desprezado por qualquer insensível no olfacto. E acontece-me muitas vezes, essa fragrância poisar em mim com a ajuda do vento, que faz projectar na minha imaginação as imagens que consegui gravar desses dias, as sensações momentâneas e odoríficas, o que dissemos, o que significaram esses dias e um leque de pensamentos e recordações que trazem de novo com a ajuda de um simples perfume.
Sniff, sniff......
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