segunda-feira, setembro 20, 2004

benefícios simpáticos...

No Jumento, hoje pode ler-se...

"DURA LEX (?) FOLGA-SE A LEX(!)

Muitos contribuintes têm sido surpreendidos com avaliações de imóveis que os vai obrigar a pagar muito mais em impostos sobre património, designadamente, a antiga contribuição autárquica. Mas as empresas de leasing, na maior parte dos casos pertencentes a bancos, ficaram de fora da rigidez desta reforma; não só não vão ver agravada a contribuição autárquica, como no caso das muitas fusões que estão em curso evitam a (antiga) SISA. Como poderão estar em causa milhares de imóveis não é difícil de prever que pouparam milhões de contos em impostos.

É a prova de que nem tudo corre mal nos serviços de finanças deste país, nem a lei fiscal é tão fria e insensível como nós, os que pagamos todos os nossos impostos a que a lei obriga, uma lei que supostamente é igual para todos: DURA LEX SED LEX. Mas há um grupo de irredutíveis contribuintes que são a excepção, uma excepção que reside num serviço de finanças excepcional, o SERVIÇO DE FINANÇAS DO TERRIRO DO PAÇO, sito num primeiro andar da praça com o mesmo nome e com entrada para a Rua da Alfândega ou para a Rua Infante D. Henrique; neste serviço parece que aquela máxima foi alterada para DURA LEX (?) FOLGA-SE A LEX(!).

Neste serviço de finanças o ambiente é tranquilo, não há filas, não há gritaria, o ar condicionado proporciona um ambiente acolhedor, os contribuintes têm sofá para se sentarem e onde serão atendidos. Neste serviço de finanças a lei está sempre aberta a uma interpretação que vá de encontro aos anseios do contribuinte. E os "funcionários" que lá trabalham não são sujeitos à ameaça de investigações nem estão muito preocupados em saber se vão ter aumentos de vencimento.

Mas é mesmo verdade, e volta e meia sabe-se qualquer coisa como sucedeu ainda recentemente, quando o Jornal de Negócios (Link) informou que o BPI tinha beneficiado de um benefício fiscal de 20.000.000 de euros concedido naquele serviço de finanças, e nessa ocasião O Jumento abordou esta questão (Link). Uns tempos antes, o mesmo serviço tinha perdoado os comentadores políticos de pagar parte dos IRS sobre os honorários que lhes são pagos pelas televisões e jornais com base num despacho de um director-geral que está para o direito fiscal como um queda de cabeça está para um exercício de paralelas assimétricas (Link).

E em ambos os casos a capacidade dos jornalistas investigarem os assuntos terminou onde o sigilo fiscal (sempre o oportuno sigilo fiscal) impôs o silêncio; os felizes contribuintes obtiveram os benefícios fiscais, os processos foram para arquivos inacessíveis e ponto final.

Mas desta vez o simpático serviço de finanças além de ter dado um benefício pontual transformou esse benefício em força de lei, produzindo um parecer vinculativo com despacho n.º 1675/2004-XV de um secretário de estado dos Assuntos Fiscais.

Estes pareceres não estão acessíveis ao comum do cidadão já que não estão directamente disponíveis na internet. Mas os descuidos da informáticas são simpáticos, e o ofício em causa até está acessível apesar de lá não ser possível lá chegar através dos menus da página da DGCI(Link). E o que podemos ler nesse valioso despacho? Aqui vai:
«Os prédios urbanos transferidos para a sociedade incorporante em resultado da fusão por incorporação, só deverão ser avaliados nos termos de Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, por força do disposto no n.º1 do artigo 15º do citado Decreto-Lei, quando os locatários exercerem o direito de opção de compra, nos termos dos respectivos contratos de locação

Isto é, os bancos que estão em processos de fusão interna, designadamente, integrando todos os seus produtos em balcões únicos, ficam dispensados já que o património das leasings, centenas ou milhares de prédios urbanos, não ficam sujeitos às mesmas regras que tanto penalizaram e penalizam o cidadão comum.

Sem esta regra adicional a fusão das leasings implicaria que estas empresas ficassem sujeitas às mesmas regras da reforma dos impostos sobre o património que forma ao bolso de todos nós, isto é, o a transmissão do património que ocorre no momento da fusão estaria sujeita a IMT (a antiga SISA) e IMI (a antiga Contribuição Autárquica.

Mas vejamos o que diz a lei.

Logo do preâmbulo do Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (Link) , e a propósito das transmissões sujeitas a imposto, podemos ler:

É o caso, por exemplo, das promessas de aquisição e alienação acompanhadas da tradição dos bens, do contrato de locação em que seja desde logo clausulada a posterior venda do imóvel, dos arrendamentos a longo prazo e da aquisição de partes sociais que confiram ao titular uma participação dominante em determinadas sociedades comerciais se o seu activo for constituído por bens imóveis.


E o artigo 2.º que define a incidência objectiva e territorial.

1 - O IMT incide sobre as transmissões, a título oneroso, do direito de propriedade ou de figuras parcelares desse direito, sobre bens imóveis situados no território nacional.
(...)
e) As entradas dos sócios com bens imóveis para a realização do capital das sociedades comerciais ou civis sob a forma comercial ou das sociedades civis a que tenha sido legalmente reconhecida personalidade jurídica e, bem assim, a adjudicação dos bens imóveis aos sócios, na liquidação dessas sociedades;
(...)
g) As transmissões de bens imóveis por fusão ou cisão das sociedades referidas na antecedente alínea e), ou por fusão de tais sociedades entre si ou com sociedade civil;


Não havendo nenhuma isenção ou qualquer norma aplicável a estas situações quer neste código, quer no Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (Link) resta saber onde estavam as dúvidas que poderiam suscitar um pedido de esclarecimento, ou qualquer despacho de interpretação.

E isto é legal? Não parece, como também não parece que seja legal que um despacho de um secretário de estado, que nem é publicado no Diário da República, possa pela via administrativa alterar ou aditar um diploma legal; que se saiba uma lei fiscal é competência da Assembleia da República ou, no caso uma autorização legislativa, do governo e, nesse caso qualquer, alteração da lei deveria ser publicada no DR, e nunca através de despachos privativos! Portugal ainda não nenhuma jangada de pedra em viagem para um qualquer bananal, apesar das influências que nos chegam da nossa exótica "colónia" atlântica.

Um aspecto curioso é o facto de a data do Ofício 13.612/2004 ser de 23 de Julho, isto é, a decisão foi divulgada já depois do actual governo ter tomado posse (2004:07:17), mas com os governantes ainda a arrumar os respectivos gabinetes, e suficientemente em cima do mês de Agosto para muita gente da Administração Fiscal nem ter dado por nada. Qual o secretário de estado que assinou o despacho?.

Resta agora saber se o ministro das Finanças vai aceitar esta situação quando se prepara para mexer nos benefícios fiscais do cidadão comum; é que será difícil compreender porque é que alguns vêm reduzidos os seus benefícios enquanto outros são beneficiados com a concessão de benefícios de legalidade mais do que duvidosa. Aliás, o senhor ministro das Finanças não só deveria rever a legalidade deste processo como, por uma questão de transparência e de justiça fiscal. deveria rever todos os benefícios que possam ter sido concedidos no simpático Serviço de Finanças do Terreiro do Paço.

É o momento oportuno para voltar a questionar se será compatível um funcionário de um banco desempenhar o cargo de director-Geral dos Impostos. Devido a um sigilo fiscal que só serve para proteger a evasão fiscal O Jumento não sabe qual o primeiro banco beneficiário, o que suscitou o despacho; mas como a benesse é generalizada para toda a banca o próprio BCP, patrão do director-geral, beneficiou ou pode beneficiar desta vantagem. "


No Jumento.


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