... uma das "coisas" que que me fascina é o efeito "paralaxe"...
... toda a gente já experimentou colocar um dedo à frente do nariz e olhar ora com o olho direito ora com o olho esquerdo, mantendo o outro fechado, claro, e verificar que o dedo ou se move para a esquerda ou para a direita...
...ou seja, os meus 2 olhos abertos ao verem aquele objecto ali à minha frente dão-me ao cérebro as informações que ele computa e vê um objecto...mas, se eu fechar o meu olho direito o objecto muda de lugar e se fechar o esquerdo o objecto vai para uma terceira posição.
...só, aqui, neste exemplo, o meu cérebro pode processar 3 realidades diferentes dum mesmo facto, o dedo ali em frente!...
...porém e para um cego, a realidade é outra, não vê o dedo
...para um cego do olho esquerdo aquele objecto está numa posição diferente da minha
...e, para um cego do olho direito, o objecto está numa posição diferente de nos os outros dois...
...só aqui há 4 realidades diferentes
...a minha
...a do cego
...a do cego da vista esquerda
...e a do cego da vista direita
...agora adicionem todos os seres vivos e todos têm uma visão daquele objecto, as suas visões, as suas realidades
...logo, não me digam que aquele objecto está ali, ele está ali, naquele sítio para mim que o estou a ver duma forma diferente de outrém...
...Fernando Pessoa dizia: "Se me disserem que é absurdo falar assim de quem nunca existiu, respondo que também não tenho provas de que Lisboa tenha alguma vez existido, ou eu que escrevo, ou qualquer cousa onde quer que seja."
O ÚLTIMO SORTILÉGIO (F.Pessoa)
"Já repeti o antigo encantamento,
E a grande Deusa aos olhos se negou.
Já repeti, nas pausas do amplo vento,
As orações cuja alma é um ser fecundo.
Nada me o abismo deu ou o céu mostrou.
Só o vento volta onde estou toda e só,
E tudo dorme no confuso mundo.
Outrora meu condão fadava as sarças
E a minha evocação do solo erguia
Presenças concentradas das que esparsas
Dormem nas formas naturais das coisas.
Outrora a minha voz acontecia.
Fadas e elfos, se eu chamasse, via,
E as folhas da floresta eram lustrosas.
Minha varinha, com que da vontade
Falava às existências essenciais,
Já não conhece a minha realidade.
Já, se o círculo traço, não há nada.
Murmura o vento alheio extintos ais,
E ao luar que sobe além dos matagais
Não sou mais do que os bosques ou a estrada.
Já me falece o dom com que me amavam.
Já me não torno a forma e o fim da vida
A quantos que, buscando-os, me buscavam.
Já, praia, o mar dos braços não me inunda.
Nem já me vejo ao sol saudado erguida,
Ou, em êxtase mágico perdida,
Ao luar, à boca da caverna funda.
Já as sacras potências infernais,
Que, dormentes sem deuses nem destino,
À substância das coisas são iguais,
Não ouvem minha voz ou os nomes seus,
A música partiu-se do meu hino.
Já meu furor astral não é divino
Nem meu corpo pensado é já um deus.
E as longínquas deidades do atro poço,
Que tantas vezes, pálida, evoquei
Com a raiva de amar em alvoroço,
Inevocadas hoje ante mim estão.
Como, sem que as amasse, eu as chamei,
Agora, que não amo, as tenho, e sei
Que meu vendido ser consumirão.
Tu , porém, Sol, cujo ouro me foi presa,
Tu, Lua, cuja prata converti
Se já não podeis dar-me esta beleza
Que tantas vezes tive por querer,
Ao menos meu ser findo dividi -
Meu ser essencial se perca em si,
Só meu corpo sem mim fique alma e ser!
Converta-me a minha última magia
Numa estátua de mim em corpo vivo!
Morra quem sou, mas quem me fiz e havia,
Anônima presença que se beija,
Carne do meu abstrato amor cativo,
Seja a morte de mim em que revivo;
E tal qual fui, não sendo nada, eu seja!"
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